Ana Bola: "Provavalmente, o negócio da RTP já está muito adiantadinho"

A atriz diz ter "a idade certa para dizer" o que lhe apetece. Por isso, em época de regresso do programa de sátira <em>Estado de Graça</em> à RTP, Ana Bola lamenta o estado a que a nação chegou e teme pela estação pública. Um balanço que faz numa altura em que vê o filho "fugir" para a Islândia, vê os portugueses na rua e pensa arregaçar as mangas para a luta cívica e para os palcos...
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Arrancou a quinta série de Estado de Graça. O país está para gargalhadas?

Não, não está nada mesmo para gargalhadas neste momento. Já não tem mesmo graça nenhuma, o assunto é sério há muito tempo e é cada vez mais grave. As pessoas finalmente tomaram consciência da gravidade do que se está a passar em Portugal.

E qual é o papel do programa?

É divertir as pessoas durante 50 minutos ao domingo. Claro que este programa assenta muito na atualidade política, mas tem de fazer rir. Nesta altura as coisas já são tão surrealistas que os autores deste programa - e até de outros formatos de comédia - têm de ter uma imaginação prodigiosa, porque é difícil brincar com coisas tão sérias e que afetam tanto a vida das pessoas. Mas creio que distrair o público, fazê-lo rir de forma inteligente e divertida pode ajudar a passar o tempo sem estar a pensar o que aí vem, ou até dar outras perspetivas.

Estado de Graça vem por mais 13 edições...

Pois, se o país não fechar (risos)... Mas creio que são 13 episódios, até janeiro. Foi já depois de a administração da RTP se ter demitido que houve um contrato para voltar ao trabalho. Porque até 15 dias antes das gravações arrancarem estivemos sem saber se havia ou não programa. Tive imenso medo de não voltar, porque, embora haja muita gente que pense que os atores são ricos, a verdade é que somos tudo menos ricos, estamos a recibos verdes. Portanto, quando não trabalhamos não ganhamos um tostão. Aquela coisa de termos férias é mentira... nós não temos férias, estamos é desempregados. E depois desta perspetiva, se haveria ou não programa, já estamos a trabalhar naquela base do "ai que bom, são 13", Mas em janeiro ninguém sabe o que vai fazer.

Não há nada definido para 2013?

Não faço ideia. Pôs-se a hipótese de se repegar na Mulher do Sr. Ministro, dar-lhe uma refrescada e passar a ser a Mãe do Sr. Ministro a partir de janeiro, mas não se sabe o que vai acontecer na RTP.

Não há indicações?

Não. E em janeiro sabemos lá o que se passa no país, quanto mais na RTP, se já foi concessionada, se não foi, se fecham tudo... não sabemos.

Está receosa com a nova administração?

Penso que a nova administração está de passagem. Alberto da Ponte é um excelente gestor e estará, com certeza, com ótimas intenções, mas também sei que provavelmente o negócio já está muito adiantadinho. Não sei com quem, mas imagino que esteja muito apalavradinho.

Recorrente tem sido a possibilidade de ficar apenas um canal na esfera do Estado. O que, na sua opinião, cabe lá dentro?

Gostava que houvesse humor e, se for um canal de serviço público, como se diz por aí, o humor faz todo o sentido. Principalmente se for um humor que pretenda alfinetar aqui e ali. Um serviço público não é só necessariamente óperas e bailado. Há de ter programação mais leve e de entretenimento, feita obviamente... sem dinheiro (risos). Mas com imaginação ainda se consegue fazer coisas relativamente baratas. Não há milagres. Não vale a pena estar a fazer futurologia, está tudo tão periclitante, nem sabemos se este governo se aguenta ou não.

Tem dois programas previstos na RTP, mas nenhum está certo. Como é viver assim?

Olhe, há anos que ando para fazer um monólogo e vou mesmo fazê-lo em janeiro. Estou mesmo decidida.

Porquê agora?

Estou para fazer há imenso tempo. Depois porque tenho a idade certa para dizer o que me apetece, tenho uma longa história de vida e o texto será necessariamente um bocadinho autobiográfico. Felizmente, sinto que as pessoas me conhecem na rua, que gostam de mim, do meu trabalho. As pessoas precisam cada vez mais de ver comédia, precisam de continuar a distrair-se. É natural que cortem um bocadinho aqui e ali, mas continuem a ir ver os atores de que gostam. Portanto, faz todo o sentido fazer este monólogo. Depois sai barato...

Como assim?

Sou só eu (risos).

E o cenário?

Qual cenário... nem tanto (mais risos). Vou fazer uma coisa muito minimal, que possa andar facilmente em tournée. De facto, temos experiência em digressões, funcionam muito bem porque há salas fabulosas. Adoro fazê-las.

Como é que gere toda a indefinição relativamente ao futuro?

Vivi sempre um bocadinho assim. É preciso partir do princípio de que somos capazes de nos rir e de gozar connosco próprios. Olhe, o meu filho [Tiago], nem digo emigrou, fugiu na semana passada para a Islândia porque não tem trabalho em Portugal há mais de um ano. É um técnico especializado em 3D, é realizador, é produtor. Sem trabalho, não tem dinheiro para comer. Por isso vai fugir, vai provavelmente para o país mais felizardo da Europa.

Vai para o país que, ao contrário de Portugal, escolheu outra via e está a conseguir equilibrar as contas públicas.

Exatamente. Prendeu ministros e banqueiros corruptos, julgou-os. Tem um primeiro-ministro gay completamente aceite pela sociedade, o salário mínimo são mais de dois mil euros. Está frio? Sim. Nem sempre é dia? Sim, mas também nem sempre é noite (risos), o meu filho tem 40 anos, é casado e tem uma filha com 12 anos. Ele vai para sobreviver e para tentar uma vida melhor, mas também vai a pensar na possibilidade de a filha dele poder vir a ter ensino gratuito, ir para uma faculdade e exercer depois a profissão que escolher: lá ou noutro país qualquer.

Como olha para esta opção dele?

Com um misto de emoções. Por um lado, é uma injustiça inacreditável que pessoas com o talento que ele tem, e tantos outros, tenham de se ir embora, que este país não os deixe ficar. Por outro, tenho imenso orgulho que ele vá aos 40 anos, que agarre numa malinha que lhe emprestei e que vá cheio de objetivos, de confiança e com esperança de reconstruir uma vida nova. Mas que tenho imensas saudades, tenho... Ao mesmo tempo, Reiquiavique não é assim tão longe quanto isso... Não é a Austrália nem Macau. Estava tramada com a fobia que tenho de aviões... (risos) Claro que traz imensas saudades e uma sensação de injustiça.

Pensa segui-lo?

Já não, não posso.

Porquê?

Tenho pais e sogros com saúde, mais muito velhos, com mais de 90 anos. Tenho de estar com eles, mas se fosse mais nova certamente que me iria embora. Mas certamente mesmo.

Está desiludida?

Estou muito mais do que desiludida. Muito, muito mais do que isso. Esta já é a terceira vez que cá está o Fundo Monetário Internacional (FMI). Portanto, esta é a terceira vez que o vejo, mas nunca vi nada a este nível.

Qual?

Ao nível que se deixou chegar a corrupção, a mentira. Sabia que este país era difícil e para isso bastava constatar a dimensão do mercado: sempre muito pequeno e com algumas dificuldades decorrentes do tamanho. Mas pequeno e com tanta corrupção, com tanta injustiça? Não sabia... há uma grande ingenuidade sentir isto aos 60 anos, mas estou mesmo desiludida. Nunca imaginei, nem nunca pensei que iria ser rica, ou até mesmo enriquecer - nunca foi o meu objetivo de vida - mas também nunca imaginei que o meu filho aos 40 anos tivesse de fugir para comer. E quando falo nele, falo no meu caso pessoal. Mas as pessoas estão todas a fugir. Nunca pensei que chegássemos aqui, que deixasse de haver Ministério da Cultura, porque também tem tudo que ver com problemas culturais. Fiquei muito contente com esta manifestação [15 de setembro].

Participou?

Fui e fiquei muito contente pelo que vi. Achei que iria ser um bocadinho mais aproveitada pelos partidos, pelos sindicatos e o que vi na rua foram pessoas iguais a nós, desde a classe média alta à classe média baixa. Cada um com as suas razões, pessoas perfeitamente conscientes do que está a acontecer, que não têm dinheiro para comprar os livros para os filhos irem para a escola porque custam mais de 200 euros. Fui eu que comprei os livros escolares para a minha neta [Madalena], por isso sei muito bem quanto custam. Vi toda a gente muito desiludida, mas apesar de tudo a reagir às medidas estapafúrdias que o governo está a tomar.

Que esperava que acontecesse politicamente depois daquela manifestação?

Esperava que o primeiro-ministro [Pedro Passos Coelho] e o governo recuassem. Na entrevista que deu na RTP, esperava que tivesse assumido que talvez pudesse reunir e rever, se era ainda possível recuar ou não. Depois até podia vir dizer que tinha repensado, revisto e que não era possível... Mas ele foi dizer para a televisão que não mexia e que seria mesmo assim. Alguma coisa tem de acontecer, isto não vai ficar assim. As pessoas vão morrer à fome.

Envolver-se-ia politicamente numa causa?

Muito dificilmente.

Não esteve já envolvida?

Envolvi-me com o Bloco de Esquerda (BE) ao princípio, no lançamento, era amiga do Miguel Portas. O BE continua a fazer sentido para mim. Portanto, se me perguntasse há três anos se eu voltava? Diria que não.

E agora?

Já não sei. Não queria envolver-me porque não faz parte dos meus talentos, mas é já uma questão de civismo. Portanto, se for uma atitude cívica e de cidadã, se calhar vou mesmo envolver-me...

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